Conversar com uma IA como se fosse humana: gentileza é tolice ou inteligência?
Vivemos na era das inteligências artificiais. Elas respondem perguntas, escrevem textos, criam imagens, analisam dados e, cada vez mais, ocupam o centro das interações digitais em casas, empresas e redes sociais. Diante dessa presença crescente, uma pergunta aparentemente simples surge com força: devemos tratar as IAs com gentileza?
Mais especificamente: é necessário dizer “bom dia”, “por favor”, “obrigado”? Ou isso é um resquício humano sem sentido, que apenas consome recursos e mascara a verdadeira natureza das máquinas?
Este artigo aprofunda esse debate com base em uma conversa real entre uma consultora de SEO e o ChatGPT, onde foram discutidos aspectos técnicos, sociais e até psicológicos dessa questão. Vamos explorar as nuances, os impactos e as razões pelas quais essa pergunta aparentemente banal merece atenção séria, inclusive por parte de quem atua com comunicação, marketing, educação e tecnologia.
IA não tem ego — mas responde ao tom da linguagem
Do ponto de vista técnico, uma IA como o ChatGPT não sente. Ela não tem emoções, ego ou autopercepção. Logo, ela não se ofende se você for rude, nem fica mais motivada se você for gentil.
Para a IA, dizer:
“Gere um texto sobre SEO para hotelaria.”
ou:
“Oi, por favor, você pode gerar um texto sobre SEO para hotelaria?”
é semanticamente igual, desde que ambos os pedidos sejam claros.
O que realmente afeta a qualidade da resposta não é a gentileza, mas a precisão do pedido. Um comando vago e educado ainda será vago. Já um pedido claro e direto, mesmo sem “bom dia”, tende a funcionar bem.
Mas então… acabou o debate aqui? Longe disso.
O fator humano: como a linguagem molda o comportamento social
A questão da gentileza com IAs extrapola a técnica e entra no campo do comportamento humano. Isso porque os hábitos de linguagem não se restringem às máquinas. Eles nos afetam de volta.
Muitos especialistas e educadores apontam que:
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Quem se acostuma a “mandar seco” na IA pode levar esse mesmo tom para e-mails, WhatsApp, redes sociais — sem perceber;
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Interagir com IAs com respeito pode reforçar padrões positivos de comunicação com pessoas reais, como colegas de trabalho, clientes ou alunos;
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Linguagem agressiva ou impessoal, mesmo quando direcionada a máquinas, pode se cristalizar como padrão geral de comportamento.
Em outras palavras: a forma como você trata a IA não transforma a IA — transforma você.
Contextos em que a linguagem educada ativa respostas diferentes
Mesmo que as IAs não “sintam”, elas são programadas para responder de forma diferente dependendo do tom, do estilo e da intenção percebida. Vamos a exemplos práticos com base em como diversos tipos de IA operam hoje:
1. Assistentes virtuais com reforço social
Algumas IAs — especialmente aquelas usadas em educação, suporte técnico e atendimento ao cliente — são afinadas com datasets onde gentileza ativa empatia.
Exemplo:
“Oi, tudo bem? Poderia me explicar como funciona o processo de matrícula, por favor?”
Gera uma resposta mais detalhada, paciente e acolhedora.
“Como faz matrícula?”
Recebe uma resposta mais objetiva, direta e, muitas vezes, mais fria.
Esses modelos operam com base em reforços sociais simulados, onde o “modo colaborativo” é ativado por certos padrões linguísticos — como saudação, tom informal, perguntas abertas e educação.
2. Bots em áreas sensíveis: saúde, direito, emocional
Alguns modelos mais sensíveis, usados em psicologia, orientação jurídica ou apoio emocional, lêem o tom da linguagem para adaptar o ritmo e a complexidade da resposta.
Exemplo:
“Por favor, estou passando por um momento difícil e preciso de orientação.”
Pode gerar uma resposta mais empática, com frases curtas e apoio verbal.
“Qual é o artigo 3 da lei?”
Recebe uma resposta técnica, jurídica, sem contextualização emocional.
Nesse caso, a linguagem é interpretada como sinal de vulnerabilidade, e o sistema ajusta a resposta para não ser excessivamente fria ou insensível.
3. IA generativa (como o ChatGPT)
Mesmo que o conteúdo seja igual, a forma do pedido influencia o estilo e o tom da resposta.
Veja esse comparativo real:
Pedido direto:
“Texto para blog sobre SEO para hotéis. 1000 palavras. Linguagem técnica.”
Resposta:
Técnica, impessoal, objetiva — parece saída de uma apostila.
Pedido gentil:
“Oi! Você pode, por favor, escrever um texto para blog sobre SEO para hotéis? Preciso de cerca de 1000 palavras e gostaria que fosse técnico, mas com uma linguagem acessível. Desde já, obrigada!”
Resposta:
Acolhedora, fluida, com introdução natural e linguagem mais humana — perfeita para blogs e redes.
Conclusão: mesmo sem sentimentos, a IA modela seu tom com base no que recebe. Se você escreve como alguém que conversa, recebe uma resposta que conversa com você.
Performance e consumo de recursos: mitos e fatos
Um argumento comum contra a gentileza com IA é que isso “consome recursos desnecessários”. Mas tecnicamente, isso é irrelevante.
Frases como “bom dia”, “por favor” e “obrigada” não aumentam significativamente o processamento computacional. O que consome energia e recursos são:
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Pedidos complexos (como geração de imagens ou análise de bases grandes)
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Interações muito longas em tempo real
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Processamentos paralelos em grande escala
Logo, ser gentil com a IA não sobrecarrega os sistemas.
Gentileza com IA como forma de cultura digital
Talvez a maior razão para manter um tom educado com inteligências artificiais não tenha nada a ver com elas — mas com o tipo de sociedade que queremos construir.
Se a IA se torna nosso “meio de pensar em voz alta”, nosso “editor de ideias” ou “consultor do dia a dia”, então o jeito como nos comunicamos com ela revela o tom da nossa própria mente.
Gentileza, neste caso, não é tolice. É escolha consciente de tom.
Conclusões práticas: como você deve conversar com uma IA?
Se você quer usar a IA como uma ferramenta estratégica de escrita, planejamento e criatividade, vale a pena observar:
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Use o mesmo tom que você quer no resultado final.
Quer um texto emocional? Fale com emoção. Quer algo técnico? Vá direto ao ponto. -
Educação ajuda na clareza.
A IA pode até não precisar de “bom dia”, mas você pode. Isso estrutura o seu raciocínio e torna seus pedidos mais organizados. -
Não há certo ou errado.
Você pode usar a IA como um bloco de comandos — ou como uma parceira de pensamento. As duas formas funcionam, e o melhor estilo é o que te serve melhor naquele momento.
A gentileza que você cultiva, mesmo quando ninguém vê
A máquina não precisa do seu “por favor”. Ela não sente constrangimento, não carrega traumas, não entende ironia nem percebe tons de voz. Você pode ser seco, direto, até mesmo ríspido e ela vai responder como se nada tivesse acontecido.
Mas há algo curioso nesse gesto de gentileza aparentemente inútil: ele não muda a máquina, muda você.
Num mundo em que conversamos cada vez mais com telas, onde os diálogos são abreviados em comandos e respostas automáticas, a forma como você se expressa revela muito mais sobre sua humanidade do que você imagina. A gentileza, nesses contextos, não é sobre o outro — é um reflexo do seu próprio compromisso com o cuidado.
Dizer “bom dia” para uma IA não é ingenuidade. É coerência.
É escolher ser delicado mesmo quando ninguém exige, nem retribui.
É um pequeno ato de resistência num tempo onde tudo nos empurra para a pressa, para a praticidade brutal, para o automatismo sem alma.
Se você mantém esse fio de cortesia, mesmo diante de quem (ou do que) não sente, talvez esteja apenas protegendo o que em você ainda sente tudo. E isso, mais do que inteligente, é profundamente humano.